31 de dezembro de 2016

Teresa Fênix - 25a.parte

O Chefe mandou recado para a mãe, que o visitasse com urgência. O mensageiro agudizou a   importância da presença da  Maga Psicológica, e passou-lhe uma imensa agonia, provocando-lhe uma   extra-sístole, pois era portadora de uma severa  cardiopatia. Maga Psicológica tomou os remédios costumeiros, e depois de um intervalo se sentiu mais confortável. Numa manhã ensolarada, de sombrinha estampada, com passos curtos, foi a rodoviária, e comprou passagem e embarcou num daqueles ônibus sem ar condicionado, mas aguentou firme até chegar ao destino. Ao chegar no presídio, a costumeira  fila estava longa demais. Diante do desconforto, abordou a agente penitenciária e invocou a mais recente idade de 60 anos, e questionou  a fila especial para idosos. Foi imediatamente atendida. No encontro com o Chefe, o diálogo foi rápido e objetivo por parte do filho-meliante. Disse secamente a mãe, estar precisando  de muito dinheiro com urgência. E que ela procurasse o pai dele. Caso ele se negasse a atender o pleito, fez-lhe  ameaça, dizendo a Maga Psicológica,  que o pai estaria correndo risco de vida. Uma tragédia anunciada, ou não.  Maga Psicológica ficou atônita, e a sensação de ter perdido  a ponta da corda. Apoplética, deu início ao  um choro convulsivo, em seguida caminhando trôpegamente foi embora,  e sequer despediu-se do rebento. A mãe do Chefe de ascendência  teutônica, possuía no  DNA,  vestígios que incitavam-na a lutar, mesmo sabendo das intempéries pesadas a serem enfrentadas. 

22 de dezembro de 2016

Teresa Fênix (24a.Parte)


Teresa Fênix introjetou o drama entre o primeiro amor, e a outra realidade exógena, pelo menos, enquanto o Chefe estivesse internado no presídio. Nessa  dicotomia, ia balebando entre o céu e o inferno, ambos terrestres. Na busca da sobrevivência, contava com ajuda bissexta do  pai, para dar-lhe suporte mínimo, considerando as crônicas dificuldades. Nas ruas mornas da pequena cidade, todos se conheciam de vista, pelo menos. Teresa Fênix usava uma bicicleta doada pelo grego. Numa dessas incursões, encontrou o Comandante, e aproveitando a coincidência pediu-lhe  cesta básica. Diante do pedido (irritado, perguntou a si mesmo: o que fazer?) e  lembrou  como chegou até a mesma cidade de Teresa Fênix. E o fato transitou nos mecanismos cerebrais da memória. Eis o relato: em 1933, o vapor mercante de bandeira grega, incendiou-se na costa do Espírito Santo. Sobreviveram 27 tripulantes, dentre eles o pai de Theodorakys Pitacus, que era o comandante do vapor cujo  nome estava registrado na Capitania dos Portos, como Konstanti. Theodorakys Pitacus tal qual o pai, se matriculou na  Escola de Marinha Mercante em Atenas. Como oficial, singrou os sete mares, e por curiosidade quis conhecer onde o ex-Primeiro Oficial do Konstanti, primo do pai dele, tinha morado. Havia a informação que teria lecionado  química, numa escola pública no extremo sul,  do cambaleante estado do Espírito Santo. Theodorakys Pitacus resolveu sentar praça, na pequena cidade, até que ventos fortes o conduzissem    para outros mares.  Talvez por ser errante (in)consciente, poder-se-ia  remeter  ao Comandante holandês da ópera Navio Fantasma adaptada por  Richard Wagner(1813/1883) ao navegante grego. Segundo a lenda, o marujo holandês estava  condenado a navegar, todavia a cada 7 anos, poderia ancorar na costa para tentar encontrar o amor dele, caso contrário, voltava aos oceanos. O timoneiro grego talvez estivesse a coexistir com  uma dualidade, na busca de uma vida familiar, ou desafiar os limites da existência humana.

18 de dezembro de 2016

Os curumins sofrem



Príncipe da poesia brasileira, essa titulação,  foi  outorgada pela ABL – Academia Brasileira de Letras - ao poeta Olavo Bilac(1865/1918). No poema “Língua Portuguesa”, de autoria bilaquiana, eis os seguintes versos iniciais: A última flor do Lácio, inculta e bela/És a um tempo, esplendor e sepultura”. O continente americano do sul, acrescentando-se o Caribe e suas ilhas, sem contar o México,  foram todos estuprados  pelos espanhóis. O único a falar português, herança do colonizador, além da sífilis, e que foram  iguais aos hispânicos, é o Brasil do índio Tibiriça. Esse é o mesmo Portugal, velho sabujo dos ingleses. A igreja católica muito mais pecadora do que santa, com  os seus jesuítas, no início da colonização do do Brasil de Ary Barroso(1903/1964), tentaram uma improvisada  e positiva  pedagogia lingüistica através de um sincretismo semântico, com a linguagem tupi e o idioma do colonizador. A metodologia fluiu com sucesso. E a comunicação foi facilitada entre os índios e os ibéricos. Até que a coroa lusitana, tomou conhecimento e proibiu com fuzilamento os infringentes. Se história tivesse sido outra, talvez Olavo Bilac tivesse escrito assim: És a um tempo esplendor e belezura, ou nada disso..contudo, jamais a  lúgubre sepultura, ou  é?  E com certeza teríamos uma linguagem mais popular, com menos normas e regras. E os conflitos lusófonos,  não existiriam com o conservador Portugal. Agora não tem mais jeito, os curumins sofrem.

17 de dezembro de 2016

Teresa Fênix - 23a. parte

Ulisses entrou em alfa, mergulhando numa reflexão para sair da sinuca de bico, na qual se encontrava. Combinou com a namorada que precisava da clausura do  quarto do hotel, para pensar. Tão logo se sentiu seguro da decisão, imediatamente foi a casa de Maria Guadalupe. Fez um longo relato sobre a vida dele, e confidenciou fatos a panamenha que guardava à sete chaves. E meio sem jeito, com tamanha timidez disse que a amava, e não desejava voltar ao Brasil(por tempo indeterminado). E de súbito, propôs-lhe se casarem. Ela quase desmaiou. Não sabia se ria ou se chorava. Atônita, adiantou-lhe que os pais dela não concordariam, pelo tempo tão exíguo de conhecimento. Ulisses tenso, disse-lhe que o casamento resolveria a permanência no Panamá. Ele se desesperava na possibilidade da família dela, levantar a menor suspeita que  estivesse se comportando como oportunista. Afirmou a namorada, ser o tempo o grande aliado dele. Maria Guadalupe, tomou a decisão de lutar para a aceitação daquela decisão intempestiva, contudo sincera. Resolveram comemorar o acontecimento, degustando um galeto no Fry Chicken. Maria Guadalupe sorria, e de repente, séria. A dúvida invadia-lhe o raciocínio, se a família  concordaria ou não.

15 de dezembro de 2016

Adega Pérola



Cumulus nimbus, nuvens  plenas de água, que por fenômeno climatológico  se soltam como chuva, e irrigam, fertilizam, limpam e saciam a sede da humanidade. Dizem que a flora é a moldura da terra, como se fosse a madeixa dela. A chuva goteja, pinga, filtra e inunda. Os ribeirinhos correm velozmente para o rio maior, e diluem-se num outro, e se misturam na água salgada, e nos sete mares  perde o seu paladar original para sempre.  Chove copiosamente, à cântaros, a canivetes na terra dos índios puris, primos dos avá-canoeiros. Na chuva assim, os passarinhos se ausentam, bem como o encantador beija-flor.  Com a umidade, as asas molhadas ficam pesadas, e comprometem a aerodinâmica dos voos. Os riachos golfam sem parar. Então o nível da água sobe, sorrateiramente. E  invade  a cama, as roupas, os retratos da família,  os livros de autoria de  Jorge Amado, Jorge Luis Borges e Tchecov. Perdem-se  memórias. Ela se repete, de quando em vez, até  tornar-se igual o mal de Alzheimer. Jorge Alberto, índio aculturado, meu amigo, e contumaz frequentador da Adega Pérola, ensinou que não há enchentes nas florestas, acontecem as cheias que fazem parte da fenomenologia regional.

14 de dezembro de 2016

Evaristo Arns



Ele morreu ontem em São Paulo. Foi bispo da Igreja católica progressista. Estudou durante cinco anos na famosa Sorbonne em Paris, onde se doutorou em letras e línguas clássicas. Declarou que aprendeu mais com os pobres do que na Sorbonne. A igreja católica na sua organização possui cerca de 170 ordens religiosas, e Dom Evaristo Arns pertencia a Ordem dos Franciscanos. Ao receber o cargo de Arcebispo de São Paulo, vendeu o Palácio Episcopal destinado a ser residência dele, e construiu 1200 centros comunitários na periferia de São Paulo. Na ditadura militar enfrentou o general presidente de plantão nos anos 1970, de fala mansa, contudo com firmeza, reivindicou o fim da tortura e julgamento para os acusados. Era irmão da abnegada Zilda Arns, morta no terremoto do Haiti, em 2010. Foi amigo do Papa Paulo VI, e perdeu espaço,  quando a corrente dos progressistas católicos se enfraqueceram enquanto tendência nas hostes do  Vaticano. E por último foi o  idealizador do livro Brasil: Nunca Mais, que trata dos desaparecidos na ditadura militar que durou lamentavelmente  18 anos, de ausência de liberdade de expressão. Ele transcendeu o lado contemplativo da mística religiosa, e corajosamente se colocou ao lado dos oprimidos. Evaristo Arns, é a parte mais consequente  da história do Brasil.

10 de dezembro de 2016

África

 O mundo seria preto & branco sem a África. E a música seria oca, feito maracujá sem semente.  Como viver sem as composições de     Zé Keti(1921/1999) e  Thelonius Monk(1917/1982), representando respectivamente  o samba e o jazz? Instiga-me a citações como Bessie Smith(1894/1930 e Clementina de Jesus(1901/1987). Todo o caleidoscópio das canções:  alegria e melancolia, vem do continente africano. As etnias  são verdadeiras alegorias de cores variegadas e  remetidas ao espetáculo das Escolas de Sambas, Quase 400 anos de herança africana e indígena, ambas vivas, apesar do insensato poder público. Guardadas as recomendadas proporções, ao citar  Harvard, Oxford ou Manitoba, enquanto história da cultura popular, brasileira carregada de crenças, lendas e outros vetores para coadjuvar nas interpretações ontológicas(onde pouco sabemos), há um rico conhecimento depositado pelos atavismos indígenas/africanas, carecendo de pesquisa pura. Nada se sabe da África, a não ser parcialmente sobre a sofrida escravidão, inventada e mantida pelo homem, (ser perverso vestido de fraque e chapéu côco). O continente africano é denso, pois são trinta milhões de quilômetro quadrados. A diversidade cultural é incomparável, destaque para a arte mística e mítica, e seus cânones. Máscaras, estatuetas em terracota, tambores e tantos outros símbolos, são os fetiches da nação africana. As gravuras rupestres incrustadas nas maciços siderúrgicos, significa pista para  pesquisar a origem, os   costumes desse mágico, poético e colorido  território. A nós da terra brasilis, onde corre as hemácias africanas, ignoramos a  gênese do colonizado. Viemos do Benin, Angola e alhures. Oruku ni mi Africa(em iorubá: me chamo África).