24 de fevereiro de 2014

Matipó



Pouco sei  da família paterna, quase nada... uma  lamentável lacuna, um vazio. Alguns  não desejam  nada saberem da sua genealogia. Registro esse desinteresse em muitos, que assim indagam: para que saber dos ancestrais de Treviso, Damasco, Benin, Maputo ou do Algarve?  Respeita-se a opinião.  Embrenhei-me numa pesquisa nos cartórios, qual nada,  era a igreja católica,  o notário público,  que historicamente sempre foi aliada da classe dominante, até aos dias atuais. Omitiu durante os 350 anos de escravatura. Ao garimpar, fui informado que os registros de nascimento e óbito estavam sob a guarda da paróquia de Boa Vista, hoje Apiacá. Ao chegar no local, acompanhado da Marcia,  recebeu-me um padre de origem huguenote,  das terras de Mauricio de Nassau.  Circunspecto no primeiro momento,  todavia, tomei coragem e  inquiri-lhe sobre os boers ( holandeses  que instalaram a mais perversa segregação racial do mundo, na África de Mandela): porque tanta desumanidade com o povo negro sul-africano? Ele não titubeou, respondendo que os boers acreditavam que os negros eram ascendentes de Caim, que matou Abel o irmão dele.  Por isso os negros  foram  amaldiçoados, e daí a punição. O padre não esboçou nenhum gesto de apoio aos boers. Essa justificativa surreal, jamais tinha  tomado conhecimento, anterior ao padre huguenote me afiançar.  Iniciei a busca num robusto livro manuscrito,  se encontrava o nome do meu avô.   Senti-me numa situação como estivesse  literalmente procurando uma agulha no palheiro. Até que deparei-me com a seguinte observação: “ o creoulo  fulano de tal, foi morto em.... “. Os negros não possuíam registros de nascimento e nem de óbito. Meu avô era negro. Quando se registrava, com a alcunha pejorativa de “creoulo”, era um negro  alforriado, ou um “negro de alma branca”.  Raros são os afro  descendentes que conseguem  saber o nome do bisavô. Os negros não existiam nos compêndios oficiais, e foram considerados  como “peças”,  verdadeiras unidades de produção. Para o meu regozijo, recentemente encontrei uma parenta legítima e gentil  – Lélia Machado - e continuo a caminhada, dessa em vez em Matipó, nas terras do alferes e heroi  Joaquim José da Silva Xavier.

19 de fevereiro de 2014

Taquarim (parte 2)



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Descobrir devagarinho, com se estivesse tecendo um samburá. Igual percorrer uma dezena de quilometros, a pé, de Mimoso do Sul  para o Barro Branco (tabatinga) na busca de varas lineares de bambu, dito chines, que depois de tratada ao fogo, solta uma substancia semi-oleosa. Em seguida, limpando-a com um tecido velho e seco. Isso feito, estará pronta e mais resistente a bravura de um piau-tres-pintas, e para finalizar, recebe seus apetrechos, ou seja : linha, chumbo e anzol. A busca desse caniço, é através da via férrea, ora caminhando sobre os trilhos, tal qual um equilibrista de circo no horizontal arame, ora pelos dormentes, na cadencia de uma marcha quase-castrense, pois a distancia dos dormentes nos trilhos é muito pequena, obrigando o caminhante a dar passos curtos e precisos. Essa viagem já foi empreendida há alguns anos. É uma andança observadora feito um jornalista vibrador,  que o editor-chefe lhe confiou uma matéria sobre " o taquarim e suas finalidades" - para publicar na seção latina do New York Times. 
A memória guardou tudo, assim me parece,  pois ao andar, abria-se feito uma grande cortina de um teatro mambembe, cheio de luz. A moldura verdejante se apresenta, filha da mãe natureza, e  cercada pelo bucolismo, e ouvia-se os cânticos dos bem-te-vis, o arrulhar das rolinhas ou o pio dos inhambus. Inesperadamente uma nascente de água cristalina. Saciava a vontade incontida de beber muita água. Um pouco de descanso, e logo retornava a " a caminhada do bambu chines". Alguns o chamam de taquarim, taquara, espécie de bambu. Os pés já começavama a doer, e o sol castigava, pois era o mes canicular de janeiro.A chegança no Barro Branco, foi uma festa. Foi como encontrar um pequeno oásis. As inúmeras  touceiras dos taquarins,  na margem direita do rio - eis um belo  taquaral, produzindo sombra e água fresca. Empreender esse pequenino périplo, é tão lúdico quanto caminhar pelo calçadão de Ipanema em direção ao Arpoador, ouvindo as opiniões Mauricio Dias sobre legendário Raimundo Faoro. Ou quiçá, perambular a  esmo pelo Quartier Latin. Enfim,  algumas varetas de taquarim foram decepadas, e suficientes para serem preparadas, rumo ao rio piscoso rio Itabapoana.

12 de fevereiro de 2014

Homo sapiens e o amor



Há princípios que dignificam o grau de civilidade de um povo. Como por exemplo: não matar e não  furtar.  A convivência social harmônica, se faz através do tempo,  com a manutenção de algumas regras pétreas imutáveis e irrevogáveis. Infelizmente,  nem sempre essas normas do bom relacionamento  são seguidas, e todo o mundo é sabedor das transgressões. A bem da verdade - o homo sapiens ainda está em fase de aprimoramento – e creio que essa “quarentena” vai demorar. Do outro lado do rio, no sentido único do viés emocional, uma flor matinal sombreava  uma mensagem, mais ou menos assim: ...” avalia-se a inteligência de um indivíduo, pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar...” de Immanuel Kant ( 1724/1804). E essa pérola filosófica está a merecer considerações, no campo das incertezas, sem contudo vincular a arrogância de ser mais ou menos inteligente, se me for permitida a presente interpretação. O “sabe tudo”, segundo Sócrates (filósofo grego 400 a.C), afirmou que: “ tudo que sei, é que nada sei”...dai o aforisma de Kant, quanto a  incerteza. Ora pois, se percebe que no ato do  aprendizado,  é constado que pouco se sabe. E ainda se acrescenta, os enigmas da vida, sendo  o amor um  misterioso viés, que navega  (des)orientado pelos sete mares. Nada se pode concluir,  em se tratando de uma matéria controversa. Mas, intuir, é possível de se fazer. O amor é  fruto da complexidade das relações humanas, e por isso,  poder-se-á justificar  ser o êle,  uma busca tão fundamental, quanto da liberdade,  como fonte inspiração para tornar a vida mais lúdica.

8 de fevereiro de 2014

Uma luta contínua



O mundo atravessa um novo ciclo, com o aparecimento da internet. E a ferramenta das redes sociais serve para organizar os protestos. A consequência são o espoucar  das bombas, corre-e-corre e a polícia nos calcanhares dos manifestantes, (alcunhados  de vândalos, iguais aos  bárbaros europeus - visigodos e ostrogodos – que derrubaram  o longevo império dos césares) e nesse palco beligerante, eis que um cinegrafista foi ferido, e veio lamentavelmente a morrer. O foco, é a contrariedade quando do aumento das passagens no transporte urbano, na cidade de São Paulo. Não bastando o poder público ser atavicamente autoritário, o setor acima citado, construiu um  poderoso cartel, com representantes (vereadores e deputados estaduais) nas casas legislativas, até porque alguns empresários do setor,  são suspeitos de  financiarem as  campanhas eleitorais de candidatos em todos os níveis. É provável que essa prática seja encontrada em outras capitais do país. A luta do homem para manter a sua dignidade enquanto cidadão é constante desde a Revolução Francesa (1789-1799) até ao genocídio (1994) de Ruanda, onde oitocentos  mil pessoas da etnia tutsi foram mortos, dentre elas muitas crianças e idosos. A maioria das mulheres foram estupradas, pelos hutus, etnia rival.  E pasmem, mais uma vez: com  a participação da classe dominante, leia-se:  França, EUA, Inglaterra,  FMI, Banco Mundial, ONU  et caterva.  Sob o símbolo da  dignidade,  se trava doze guerras civis em diversos países em território da mãe África, e a grande mídia nada noticia. A luta é permanente, em todos os quadrantes do planeta, quer na manifestação carioca, quer na resistência do povo sírio. Isso pode significar,  que a liberdade do homem é uma luta contínua. A história é implacável, e todos esses fatos serão por ela julgados. 

PS.: Se desejar melhor contextualizar a matéria acima, por favor, veja o filme "Hotel Ruanda".

1 de fevereiro de 2014

"Vale o escrito"


Ouço numa tarde de verão, algumas  interpretações de músicas altissonantes, a referência é para o   virtuose das cordas -  Rafael Rabelo -   encapsulado no seu violão-alado,  partiu inesperado e precocemente, em direção a mais brilhante esfera celestial. Quem sabe está a dedilhar para os astros, asteróides e extraterrenos ou não? O fato é que, nesse instante imagético, místico e campesino, convivo com o calor tropical, mais famoso nesse inicio de 2014,  com  árvores a produzir boas sombras,  e um riacho  a correr suave, e manso feito o sol poente, quer no Arpoador, quer no pico da siderúrgica Estrela Dalva, uma das torres símbolo das montanhas imponentes, e enfeitadas pelas flores silvestres e cachoeiras. Lá do alto da Estrela Dalva pode-se avistar o veleiro alteroso singrando o mar alto, permitindo-se rememorar os barquinhos-de-papel, enquanto brinquedo  de criança, e  empreende-se "outras viagens".  E o olhar se perde, e se encontra,  dessa vez entre a vegetação de um açude,  e se faz presente ( infortunadamente,  fotografado somente pela retina)  a ação transformadora da natureza,  na insígnia do ninho semi-ovalado, construído de varetas  e forrado de folhas, com três ovos de tamanho médio, repousados e prometendo o nascimento das avezitas do  Martin-pescador. O ninho desse pássaro compõe o cinturão ciliar da pequena lagoa, e localiza-se somente há uma distância de um  metro e meio, da água. A nidificação está na condição de - hóspede - da  candiubá, arbusto nativo da região sudeste. O Martim-pescador, veste uma plumagem pluri-cromática, que são cores impressionistas, harmônicas e encantadoras. Imagine-se os pequenos Martim, pela proximidade do espelho d’água, muito cedo serão treinados a mergulharem, como - atividade primeira da sobrevivência -  ao localizarem, como suas “poderosas lentes” os cardumes encontrados nas  inundações lacustres. Os vizinhos  e compridos arvoredos, conhecidos popularmente como imbaúbas, - cecropia purpurascens -  são testemunhas desse relato. Contudo, “vale o escrito".