26 de outubro de 2009

Patativa do Assaré, 100 anos

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A cultura é também um conjunto de realidades regionais,por isso é plural,e por assim ser,eis que,certa vez o escritor russo Leon Tolstoi afirmou : ... " se queres ser universal,comece por pintar a sua própria aldeia... " . Tal qual, aconteceu ao brasileiro,o cearense Antonio Gonçalves da Silva,conhecido como - Patativa do Assaré - nascido na lua crescente no dia 05 de março de 1909, sob o sígno de Peixes, a 18 km da Serra de Santana,exatamente na Vila de Assaré,que etimologicamente significa " atalho " em tupi-guarani,é o local exato de onde Patativa veio ao mundo ! Hoje Assaré é formalmente um município no Estado do Ceará. O poeta,definiu patativa dessa forma: " uma pequena ave, que por cima ela é azul,assim de frente ela é branca e o bico bem pequeno e grossinho...o seu cantar seria marcado pela versatilidade : quando ela está cantando,assim numa arvorezinha bem copada,você escuta e pensa que ali dentro daquela moita tem vários passarinhos cantando,pois,de uma vez só,ela imita muitos passarinhos pequenos " .
Patativa involuntariamente se tornou o personagem de Leon Tolstoi,pois transcendeu as imensas dificuldades da adversidade do seu habitat,uma seca cronica e avassaladora,obrigando o povo nordestino a praticar a diáspora,igual a fuga dos judeus por perseguição político-religiosa.
Para os nordestinos,era o êxodo rural de multidões,que se deslocavam rumo a ilusão do "sul-maravilha",fugindo do sol causticante, e a miséria como trágica consequência.Essa é a dramarturgia do Nordeste!
Versejou,prosou para todo o Brasil,narrou os sofrimentos atrozes nos seus eternos poemas ! Aos quatro anos perdeu um olho e aos oitos anos,o pai.
Aos dezesseis anos vendeu uma ovelha e comprou uma viola !
Em 1936,casou-se com Dona Belinha e teve nove filhos,e somente sete estão vivos,a saber,pela ordem :
Geraldo,Afonso,João,Pedro, Miram,Ines e Lucia !
Patativa visitava a cidade do Crato,considerada na região como uma "mega-cidade",onde funcionava a Rádio Araripe,onde declamava as suas poesias, e dessa maneira,foi se tornando conhecido. Em 1956,foi descoberto pelo funcionário do Banco do Brasil - o filólogo José Arraes de Alencar - que encantado com a sua obra literária,providenciou o lançamento do seu primeiro livro: " Inspiração Nordestina ".
Em 1964,ano do golpe militar,o cantor Luiz Gonzaga,reconhecido como o Rei do Baião,gravou, música e letra de autoria de Patativa,a célebre canção conhecida como a " A triste partida " .É um canto dolente,é retrato da a saga desse povo irmão,é uma exegese da sociologia desse segmento dramático,marginal e despossuido.É uma poesia épica,cujo o protagonista principal são os seus habitantes !
Em 1964,Patativa estava afiado,já se posicionava ideologicamente pela chamada esquerda,sua coerencia o inspirou em fazer esses versos para Castelo Branco,cearense e primeiro general-Presidente : " Com atenção eu apelo/para o supremo juiz/por causa de um só Castelo/nunca mais castelos fiz/ e concluia: Me prometeu um tesouro/todo lindo,todo franco/e em vez de um castelo de ouro/me deu um castelo branco !
E continua Patativa na sua lide política,escreveu para o jornal da UNE - União Nacional dos Estudantes,receioso,usou o pseudônimo de Alberto Mororó.
Compôs versos para o então lider comunista Luis Carlos Prestes : Se um dia Prestes alcançá vitóra/A minha istóra lhe contá eu vô/E peço a ele prá me dá meu sitio/Qui o Beneditu do meu pai tomô !
Em 1979,foi reeditado o livro " A inspiração Nordestina " e o seu primeiro disco de "Poemas e canções ",nesse mesmo ano,Patativa é homenageado pela vetusta instituição,seleiro de cientistas a SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciencia,com sede na capital paulista.
Em 1980,Raymundo Fagner musicou o seu poema: " Vaca Estrela e Boi Fubá " ,mais à frente,a mesma música foi gravada pela dupla,um dos melhores duos sertanejos: Pena Branca e Xavantinho.Fagner fez-lhe um carinho fraterno ao compor a música : " Passarim de Assaré ",em prosseguimento a sua trajetória,em 1981,lançou seu primeiro disco : Poemas e Canções,quase que simultaneamente,editou outro disco :" A Terra é Naturá ",que conquistou uma resenha assinada pelo expert em Música Popular Brasileira - José Ramos Tinhorão do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro,que assim escreveu : " a emoção é o melhor aplauso que se pode oferecer a esse grande poeta do povo,que é o cearense Patativa do Assaré ".
O Brasil que emergia de uma longa noite de escuridão,a mordaça à censura,a liberdade de expressão,o povo então,começava a respirar democracia e encontrava em Patativa do Assaré,aos setenta anos,reconhecido intelectual que o teórico marxista Antonio Gramsci,chamaria de "orgânico",não fôra o complicador de ser camponês,quando essa classificação seria voltada para a classe operária.Patativa criou a sua própria morfologia na sua poética,garimpava,observava,lia com atenção os almanaques,que eram verdadeiros cadernos culturais,pequeninas enciclopédias,poto que,na região carente de quase tudo carecia.
O somatório de informações, gerou uma poética de boa qualidade,o resultado é uma rica amálgama,uma liga que gerou instigantes interpretações nos setores da semiótica,da simbologia,filosofia e dos ensinamentos etc e tal.
Por isso a expressão "orgânico" ; pois entende-se que a conquista da sua sabedoria não foi elaborada nos bancos do aprendizado formal,a sua gênese está contida no seu peculiar,intenso e longo contato popular,intuitivo e perspicaz,ele criou a sua particular antropologia,uma fluencia perfeita na comunicação entre os seus interlocutores do campesinato e também da zona urbana.Patativa é isso e muito mais.O famoso conto de origem árabe,Aladim e a Lâmpada Maravilhosa,foi adaptado,na sua linguagem acessível aos nordestinos . Ora pois,a elasticidade literária do escritor-poeta não é uma conjunção hermética, não apologiza a miséria,é a realidade da dura chã que radiografou e transformou em doces versos,alguns suavemente acidulantes,mas sempre recheados de muito humor ! Até os protestos por conta da militarização do sistema,não estão carregados de ódio.O conto acima citado de origem abássida,omíada ou bérbere,daí uma das origens do povo maometano,se encerra com um "happy end".Aladim casa com a princeza filha do Sultão, e o seu reinado dura anos e mais anos...
Antonio Gonçalves da Silva,o nosso Patativa do Assaré,nos deixa no dia 08 de julho de 2002,na lua minguante, a se iniciar às 14.21 horas, para conduzí-lo ao Zênite,e esplendorosamente,assim declamou :

Prá gente aqui ser poeta,
E fazê rima compreta,
Não precisa professô.
Basta vê,no mes de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô !

Por: Gilberto Braga Machado

Bibliografia:

Patativa do Assaré
Autor:Gilmar de Carvalho
Edições Demócrito Rocha
Fortaleza CE

Dicionário do Nordeste
Autor:Fred Navarro
Editora: Estação Liberdade
São Paulo-SP

Antologia do Folclore Brasileiro vols.I e II
Autor: Luis CÂMARA CASCUDO
Editora: Global Editora
São Paulo-SP

Patativa do Assaré-Antologia Poética
Edições Dempocrito Rocha
Autor:Gilmer de Carvalho
Fortaleza-CE