Pouco sei  da família
paterna, quase nada... uma  lamentável
lacuna, um vazio. Alguns  não
desejam  nada saberem da sua genealogia.
Registro esse desinteresse em muitos, que assim indagam: para que saber dos
ancestrais de Treviso, Damasco, Benin, Maputo ou do Algarve? 
Respeita-se a opinião. 
Embrenhei-me numa pesquisa nos cartórios, qual nada,  era a igreja católica,  o notário público,  que historicamente sempre foi aliada da
classe dominante, até aos dias atuais. Omitiu durante os 350 anos de
escravatura. Ao garimpar, fui informado que os registros de nascimento e óbito
estavam sob a guarda da paróquia de Boa Vista, hoje Apiacá. Ao chegar no local, acompanhado da Marcia, 
recebeu-me um padre de origem huguenote, 
das terras de Mauricio de Nassau. 
Circunspecto no primeiro momento,  todavia, tomei coragem e  inquiri-lhe sobre os boers ( holandeses  que instalaram a mais perversa segregação
racial do mundo, na África de Mandela): porque tanta desumanidade com o povo
negro sul-africano? Ele não titubeou, respondendo que os boers acreditavam que
os negros eram ascendentes de Caim, que matou Abel o irmão dele.  Por isso os negros  foram  amaldiçoados, e daí a punição. O padre não
esboçou nenhum gesto de apoio aos boers. Essa justificativa surreal, jamais
tinha  tomado conhecimento, anterior ao
padre huguenote me afiançar.  Iniciei a
busca num robusto livro manuscrito,  se
encontrava o nome do meu avô.   Senti-me numa situação como estivesse  literalmente procurando uma agulha no
palheiro. Até que deparei-me com a seguinte observação: “ o creoulo  fulano de tal, foi morto em.... “. Os negros não
possuíam registros de nascimento e nem de óbito. Meu avô era negro. Quando se
registrava, com a alcunha pejorativa de “creoulo”, era um negro  alforriado, ou um “negro de alma branca”.  Raros são os afro  descendentes que conseguem  saber o nome do bisavô. Os negros não
existiam nos compêndios oficiais, e foram considerados  como “peças”, 
verdadeiras unidades de produção. Para o meu regozijo, recentemente encontrei
uma parenta legítima e gentil  – Lélia Machado
- e continuo a caminhada, dessa em vez em Matipó, nas terras do alferes e heroi  Joaquim José da Silva Xavier. 
 
