27 de fevereiro de 2018

Teresa Fênix 42a. parte

O hábil timoneiro foi desafiado por mares violentos,imensos vagalhões, avariações nos mastros, velas rasgadas, toneis de água quebrados, ele superou os contratempos com sensibilidade e têmpera. Nos infortúnios ou lições de vida, a   convivência entre crianças com necessidades especiais, era a mais doída compaixão. Resolvia equações da difícil ciência  náutica, e ensinava a língua de Platão alegremente. Sabia das aventuras reveladas por Homero no livro  Odisseia. Além dos 10 anos que lutou na guerra de Tróia, coabitou 1 ano com deusa Circe, e mais sete anos com Calipso e as ninfetas. Ulisses era a representação do homem grego: inteligente e   arrojado.  E se  embaralhava no cipoal de pensamentos, quando se tratava do enigma do amor e  mistérios inerentes. O que fazer? ou para onde não ir? Todos os marinheiros foram mortos pela maldição dos deuses adversos. Com tudo isso, se embaralhava no cipoal de pensamentos, quando se tratava do sentimento mais profundo. Não tem como cotejar. Disjuntivas  frequentes, não lhe ofereciam espaços para a reflexão mais serena. Se sentia como o comandante holandês, que segundo a lenda,  somente poderia ancorar de sete em sete anos, na busca de um amor, caso não o encontrasse  retornava a singrar oceanos.  O amor lhe parecia algo (in)tangível, mesmo atuando numa larga e sincera compreensão. Se mantinha nas atividades cotidianas e as vezes era assaltado por um desejo de retornar a Grécia. Mas entre uma atividade e outra assoviava trechos do quarto e último  movimento da nona sinfonia de Beethoven. E o tempo ia adormecendo os pensamentos dele. Mas ele sabia que a qualquer momento essas reflexões retornariam. Era preciso tomar duras decisões. Assim Beethoven escreveu e musicou a parte do canto, da derradeira  Sinfonia desse valoroso ícone da música erudita:

9ª Sinfonia (Opus 125)

Ó, amigos, não nesse tom!
Em vez disso, cantemos algo mais delicioso
Cantar e sons alegres
Alegre! Alegre!

Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce voo se detém.

Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo;
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo que ele chama de uma alma
Sua própria alma em todo o mundo!
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza;
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

Alegremente, como seus sóis voem
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões, vocês estão ajoelhados diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!


25 de fevereiro de 2018

Teresa Fênix 41a.parte

O destino do  Chefe não estava escrito nas estrelas. Foi decretado pelo  Exu Caveira, entidade mais carregada de  maldade, no campo  primitivo, chamado de vingança, sob o manto da barbárie. As religiões  de matrizes africanas, são iguais a quaisquer outras místicas. Os cultos   de todos os continentes defendem que na existência  do bem, há a contrapartida do mal. Acrescento somente para ilustrar pois, na famosa ópera Il Trovatore de Giuseppe Verdi(1813/1901) no libreto eis o  Ato 1: " O irmão mais moço do Conde de Luna desapareceu há muitos  anos. Conta-se que uma feiticeira fez-lhe um feitiço antes de ser queimada, e que a filha dela raptou e matou a criança."     Há a possibilidade que a morte do Chefe tenha sido encomendada pelo antigo empregado - José do Egito -  que presenciou o assassinato  do patrão dele. Se tal ocorreu, as mães e filhas de santo, babalorixá, cambono e o orixá mais graduado,   e demais membros tenham acedido  a proposta de trabalharem a morte do Chefe. Os alquidares foram lavados em água corrente de cachoeira,  e preparados para receberem o  bode preto sacrificado, para se processar o despacho na lua cheia no dia 17 de  agosto, como recomenda a liturgia transmitida pelos sábios  Obás. O Chefe foi vítima de um forte quebranto. Negava a se alimentar, e foi tomado de um profundo  desânimo e dizia ouvir vozes do pai dele.  Diante do quadro agravando-se em progressão geométrica,  foi internado no hospital local e morreu em poucos dias, vítima da falência dos órgãos vitais. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay ". (*)

(*) "Eu não creio nas bruxas, mas que elas existem, existem"

21 de fevereiro de 2018

Teresa Fênix 40a. Parte

O comandante estava animado com as aulas de grego que oferecia graciosamente a um pequeno grupo de alunos. Contudo continuava a frequentar com assiduidade o Núcleo de Crianças portadoras da Síndrome de Down.  O interesse pela mitologia grega era flagrante. A viagem marítima de Ulisses por cerca de dez  anos petrificava os olhares dos pré-adolescentes, quando narrada por aquele professor. A  Odisseia de Homero encantava os pequenos. Como um livro escrito há mais de quatro séculos a.C. poderia despertar tanto interesse  na petizada? O herói  Ulisses é o herói, é a própria Grécia, como Tchaicovsky foi para a Rússia, através da arte musical. Expressava originalmente a característica grega. Enfrenta ciclopes, motins, maremotos e todos os tipos  de perigos mortais e os supera quando chega a Ítaca, onde é esperado por Penélope, astutamente fiel, que resistiu à corte dos brutais  pretendentes, os quais foram todos mortos por Ulisses.  Interpretar Ulisses na sua condição de humanizado por Homero, abre um leque interpretativo cujo o fio condutor   indica molduras diferenciadas, por Dante, Platão, Joyce, Pound, Kazantzakis e.g. Enfim Ulisses é um marinheiro que carrega simbolismos  subjetivos e outros  nítidos, feitos a claridade solar.Ulisses foi em busca do absoluto.Talvez tivesse o famoso compositor Wagner  se inspirado em Ulisses para compor  a ópera "O navio fantasma" onde o binômio  coragem/virilidade é a culminância.

18 de fevereiro de 2018

Teresa Fênix 39a. parte

A protagonista principal desapareceu,  sem ao menos despedir dos  vizinhos. E  após um longo período de ausência, talvez mais de um ano, sendo que nesse lapso temporal, o grego em nenhum momento quis saber do destino  dela. Melhor dizendo, Teresa Fênix não lhe fez falta. Segundo lhe contou uma nova vizinha, recém chegada da Crimeia, pertencente ao  Condado de São Pedro do Itabapoana,  ela foi submetida a um  severo tratamento psiquiátrico, numa clínica no interior de São Paulo, que pertencia a Ordem dos Franciscanos. O comandante não desejava revê-la, mas isso era quase impossível, pois numa pequena cidade  certamente a  toparia inevitavelmente  num supermercado ou na praça central.  O Comandante continuou na rotina dele, sem apresentar nenhuma outra atividade, exceto em dar aula de grego para sete alunos, duas vezes por semana. E também se preparava para visitar as terras de  Homero, pois existia uma pequena herança que lhe cabia por lei e por direito. Nas idas e vindas  ao comércio local,  a viu de longe e acompanhada do filho. Pela distância,  notou-lhe que tinha ganho peso corporal. Esse olhar não caracterizava nenhum interesse. O fetiche derreteu-se. Foi um olhar pequeno, em todos os sentidos, (afinal de contas o Comandante era fruto do mimetismo cultural,ou era uma curiosidade tida como  universal?) Não nutria o mais remoto sentimento afetivo. Para o grego o amor, mesmo com o aprendizado da rica mitologia helênica, é um sentimento de altíssima complexidade com trânsfugas, disjuntivas e aceitação. E assim se faz a (des)construção do amor,  com suavidade, segundo o entendimento do experiente marinheiro dos sete mares.