16 de dezembro de 2013
Rua da Serra, parte I
Na pacata cidade, o som do tropel dos muares reverberava até a oficina do schumacher Machado, meu pai. Ao ouvir me colocava na calçada para ver a tropa passar, tal como a banda. Na vanguarda uma mula rainha ricamente paramentada, portando no peitoril uma campana a tilintar, cuja a carga era a rubiacea canephora, ou o apreciado café, que seria embarcado nos vagões do trem da Leopoldina Railway (1896), para o Rio de Janeiro. Na condução da tropa, o experiente Adão, forte feito um mouro, que com uma batida seca de porrete, (extraído do arbusto conhecido como óleo vermelho), no saco de couro cru, a tropa virava-se à esquerda, e com duas porretadas, virava-se à direita. Ele era o maestro. Cenas estão gravadas no hardware do subconsciente. Por isso esse ensaio memorial a nomear alguns moradores, fatos e seus parcos perfis. É a rua da Serra o ponto zero do condado situado no extremo sul capixaba. E na época, quais eram seus ilustres residentes em tempos pretéritos. A rua da Serra, não é nenhuma Hill's Street de Nova York, ou a famosa Abbey Road, onde os Beatles atravessam-na, pela última. A rua da Serra, não está também localizada no Quartier Latin na iluminada Paris. Aqui é outra luz, de tão plena clareia a caminhada dos passos da memória inclemente, a viajar através do binômio: recordar é viver, e nada mais do que isso. Para indicar a temporalidade da narrativa, é a década de 1960. É a culminância dos anos dourados de Mimoso do Sul , que iniciam-se na segunda metade da década de 1940 - sendo que em 1949, o município foi o maior produtor de café do Brasil - e se sustentou nessa condição até aos anos 1960, quando os cafezais (a mais importante fonte de renda) foram erradicados, pois, foram considerados antieconômicos, e se processa a segunda grande diáspora na região, e a preferência majoritária migratória se direciona para o Rio de Janeiro. Com certeza, falhas memoriais - inexoravelmente - serão cometidas - e os contemporâneos estarão presentes nessa viagem, à bordo do trem Cacique no vagão-restaurante, com destino ao Rio de Janeiro. Eis o cardápio: bife à cavalo, com arroz e fritas, e a uma cerveja casco escuro, estupidamente gelada. Perdoem-me a arrogância, pois, "O Cacique" era o imagético, a réplica do trem do filme Orient Express, baseado no livro da escritora Agatha Christie.
O início da pequena cidade era a venda de secos e molhados do discreto ítalo-brasileiro Guido Marelli. Na época era uma distância razoável, e eram próximos o nipo-brasileiro, Mário Miashiro, exímio agricultor de tomate, e quase ao lado, os íbero-brasileiros da família Torres, representados pelos gentis irmãos, Adalício e Alvino. O vizinho deles, se chamava João Francelino, que pela estatura, carregava o apelido de João-perna-longa. Um apaixonado pelo IAC - Independente Atlético Clube, tendo sido seu presidente por longos anos, e o seu filho Valter Borracha, foi o melhor goleiro reserva do grande " goalkeeper" Totonho Moloquête . Independente, foi em homenagem ao famoso time portenho, Independiente. Aurélio um exímio lanterneiro, no final do expediente apreciava uma cerveja, pai do Marcão residente em Vitória. O vizinho ao lado era João Bolinha, vis-à-vis, a padaria de Israel Itaboraí, tio do Getúlio Campos, um bom amigo. João Guedes dos Santos, sempre o via de óculos escuros, e uma corrente num desenho elíptico, conectado ao relógio de bolso. E do seu caminhar com as pernas semi-arcadas. De família numerosa, e de origem portuguesa, talvez seja o mais numeroso de todos os clãs familiares. Ele morava numa ampla casa, com uma extensa varanda. (Câmara Cascudo, notável folclorista brasileiro, informa que a varanda é uma invenção moura, para impedir que a visita adentrasse na casa) Sadi, comerciante "controlado" tocava seu empório, vizinho de Medeirinho e Zezita, sendo que ela migrou-se para o Rio de Janeiro. Raul era barbeiro, profissão universal, pai da Vilma. João Guedes e Antonieta Cerri, ela irmã de Pedro Cerri, remember os saborosos doces de leite, no Alto San Sebastian. Em frente os Frigeri, o sisudo José e a fervorosa Diva, e seus rebentos, destaque para Edna Frigeri que desfilou no Municipal Lítero Clube, e conquistou pela estética, o título de Miss Bangu ( por causa da patrocinadora - Fábrica de Tecidos Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro). O estádio Roberto Calmon, (em homenagem a um médico desportista en passant pela cidade ) é o nome do campo do IAC, palco de grandes vitórias. Na pequena rua ao lado, morava Alcir Rodrigues, herói da Segunda Guerra Mundial, tendo atuado no front. Eram vários os rebentos, Ronaldo e Rômulo e Maria Lucia, residem na mesma casa, e torcem pelo glorioso. Em frente à direita o destemido José Coimbra, vindo de Faria Lemos(MG), tendo os filhos Ailton, Elcio e Nilton e as filhas. Em frente aos Coimbra, residia o simpático João Nicolau, pai de Messias ( que se tornou oficial de chancelaria e singrou os sete mares) O afrodescendente João Nicolau, foi presidente do Clube Rural Classista, junto com Adão Só, nome surreal, o qual nunca me esqueci. Bianchini, da familia Meirelles, foi amigo de João Bastos, ferroviário e líder político de pureza socialista, e o carpenter José Zolli. E a Brígida Ramos Pinto Brochado? Concorridos eram os doces conhecidos, dentre eles, o "olho de sogra" algo caricato, uma anti-homenagem as sogras. E a maçãzinha. Foi melhor doceira do Brasil, casada com Virgílio Brochado. Zildo dos Correios, lépido e expedito, e nas horas vagas atuava como instrutor aos postulantes da carta (como dizem os paulistas) de motorista. Euclides Mello dos Santos, comerciante, morreu precocemente, e deixou viúva, a Professora. Maria José Paiva Mello, a cuidar de vários pequeninos. Essa mestra foi exemplo moral e ético. O discreto casal, Carlindo Menditi e Gloria, chegaram da zona rural em 1953. A horta dos Rodrigues, regada à mão, era um sucesso. E Valentina de ascendência italiana acolhia os netos que vinham estudar no Mosenhor Elias Tommasi. Uma curiosidade: quem viveu nessa época, ou por oralidade, talvez saiba porque Plinio Roberto Menditi se tornou um grande torcedor alvi-negro? Eis uma pista: o imigrante Sírio-Libanês Chakib Said Tomé foi seu vizinho. E por citar Chakib, e os inúmeros patrícios dele, que cooperaram na fundação da cidade, é que se introduziu na gastronomia local, os quibes, kaftas, merches, homus terrines, tabulis, quibes-cru, arroz com lentilhas, esfihas e outras iguarias, cuja a origem, remete as longínquas terras maometanas. Afirmo calcado na sociologia e na histórica, que foi uma honraria ter convivido com a generosidade sírio-libanêsa. Saudando Nazle Acha, estendo os cumprimentos místicos, esotéricos, e ou transcendentais aos demais, quer estejam no zênite ou não.
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ResponderExcluirOlá Isabel !
ExcluirLembrei-me e acrescentei dois detalhes sobre seu avô, João dos Santos. Gratíssimo.