Desculpem-me de antemão, pois narrarei um dedinho do texto sobre meu querido e saudoso pai, o que não é recomendável, para quem luta para ser um modesto cronista, e ou escritor. A impessoalidade deve ser o norte nas tratativas, evitando-se falar dos entes queridos. Poderá parecer um nepotismo, e alguns risos poderão se aflorar. Peço-lhes um habeas corpus lítero-preventivo.
Meu pai aprendeu a soprar sax-tenor numa banda de música de uma unidade do Exército. Desembarcando de trem no inicio dos anos trinta, integrou a Corporação Musical Lira de São José, a furiosa da altiva Mimoso do Sul. Junto com ele estavam os músicos - Miúdo - que empunhava um trombone de vara e o compositor Nilson Paiva com a sua maviosa clarineta.Porém antes de aportar nesse vale, emprestou a sua embocadura na Orquestra do Circo Irmãos Temperani, de origem húngara. O circo faz parte do meu imaginário e de quem viveu entre a metade da década de cinqüenta até os anos sessenta. Nessas plagas chegavam os circos, que na realidade são sucessores dos teatros membembes, ou itinerantes, que datam o fim da idade média em diante. O palhaço convocava a petizada, e saíamos pelas ruas da cidade numa propaganda pública, desse modo: Ele perguntava com frases de efeito: hoje tem marmelada ? e respondíamos em coro: tem sim senhor. Hoje tem goiabada? Tem sim senhor. E o palhaço que é ? É ladrão de mulé ! A molecada que acompanhasse a troupe na empreitada, teriam a contrapartida de uma entrada franqueada. Era uma festa. Existiu um desses circos cujo nome era: Circo Peruano, meio caído, com dificuldades financeiras, e a lona estava tão furada, que parecia um queijo suíço. Felizes sofredores ambulantes, mascates do lúdico. E para zoar, entoávamos: Circo Peruano, mais buraco do que pano. O circo apresentava os trapezistas com seus saltos duplos, a mulher-faca, malabaristas, e os domadores desafiando o já aposentado tigre de Bengala, e finalmente, os palhaços. Certa vez um amigo deu uma dedada na bunda do palhaço na brincadeira. Mas o palhaço não aceitou, e enfurecido correu atrás do menino com uma barra de ferro para acertá-lo. O moleque correu feito um queniano, e conseguiu subir o morro da Estrela. Felizmente safou-se. O globo da morte, o mais tenso espetáculo, era última apresentação, com duas motocicletas de faróis acessos, e os canos-de-descarga bem abertos. E todas as luzes apagadas. Isso dava um clima à moda Agatha Christie. Um frisson, algo agônico, pois os motociclistas, pela velocidade havia chance de uma colisão. Frio gélido percorria a espinha dorsal. Seria uma tragédia, se tal ocorresse. Eles eram intrépidos e experientes. Era o nosso Circo de Soleil. E após a apresentação, e do alto falante se ouvia um mambo-jambo de andamento, “allegro molto vivace” com a metálica e inolvidável Orquestra de Perez Prado. Era feliz e sabia.
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