Desceu rapidamente a escadaria da casa de Nagib Ahmed, e empreendeu a fuga. Foi sofregamente em busca de um taxista no ponto, e encontrando, perguntou-lhe se poderia
levá-la ao Rio de Janeiro. Ele respondeu-lhe
que não conhecia a aquela cidade, contudo prometeu levá-la, se desejasse, a pequena cidade de Casimiro de Abreu,( nome em homenagem ao
poeta e um ativista republicano), próxima ao destino escolhido. Adiantou-lhe que há poucas semanas havia viajado para aquele modesto município. Sem alternativa, e ansiosa para não ser descoberta, de pronto
concordou com o motorista-de-praça, que
atendia pelo surreal apelido de “Pouca roupa”. Marialice, serena, representou bem no "script" de fugitiva, que lhe parecia ter sido um crime de morte. Não tinha conhecimento que Nagib Ahmed tinha sobrevivido. Na ocasião não demonstrou
nenhum desequilíbrio, quer no inicio ou durante as seis horas de viagem, até ao destino que lhe foi imposto, que pelas
circunstâncias, foi a melhor saída. Uma única parada foi realizada, numa desses bares de pouca assepsia,
encontrados pelas margens das BR’s, para
se tomar um café, com a broa de milho. Pouca Roupa era um “gourmant”, sendo que as broas com coco ralado, essas eram as suas preferidas. Degustou sem cerimônia, meia dúzia de robustas broas. Em dado momento, estacionou em frente ao botequim
uma viatura da polícia. Nenhum pânico tomou conta Marialice, diante dos inesperados gendarmes. Enquanto
bebia o café, observou discretamente que um deles a encarava insistentemente.
Será que a conhecia? Ou era o "faro" policialesco, desconfiando de todos. Marialice manteve-se tranquila diante do
inusitado. Nenhum músculo da face
retezou-se. E os olhares do recém chegado continuaram, até que o Bira da Dorinha, notando desconforto dela, a
inquiriu: a senhora conhece aquele moço?
Ela respondeu não. Quando ela sem dirigiu ao caixa afim de pagar a conta, o "sherlokiano" policial interpôs-lhe, e de forma autoritária, foi lhe perguntando: o cara de cabeça branca é seu marido? Ela
suavemente, disse-lhe que não era marido dela. Diante dessa assertiva o
policial se apresentou, dizendo ser o detetive Percival dos Santos. Ele respondeu-lhe: muito prazer, e em seguida, pediu-lhe
licença, indo ao banheiro. Dentro do toalete respirou aliviada. Pois tratava-se de um “conquistador
de plantão”, talvez em busca de mais uma aventura amorosa. Ao se encaminhar para em direção ao táxi, para continuar a fuga, polidamente despediu-se do policial, que
com a habilidade de um “Don Juan”,
passou-lhe um cartão com o endereço completo. O estresse foi vencido.
A viagem prosseguiu sem nenhum fato que merecesse ser gravado no "diário de bordo rodoviário". Ao chegar no destino final, ela pagou ao
taxista, e o agradeceu. E pensou, que teria que “zarpar” logo, pois, o motorista Pouca Roupa ao chegar na cidade deles, tomaria conhecimento que Nagib Ahmed tinha
sido ferido gravemente por Marialice. De maneira expedita como sempre, preferiu continuar a viagem de táxi. . O destino final
continuou sendo o Rio de Janeiro, no
simpático bairro de Botafogo. O novo
condutor tinha uns quarenta e cinco anos aproximadamente. Era uma matraca para falar. E
disse-lhe chamar-se Antonio Ubirajara Pereira Jaudis, mas poderia tratá-lo de
Bira, ou Bira da Dorinha. E declarou ser conhecedor do Rio de Janeiro, desde
Belford Roxo até ao Leblon. Deixou transparecer ser um verdadeiro "guia Rex", (que é catálogo
com as direções das ruas do Rio Janeiro, como facilitador para os
motoristas encontrar ruas menos conhecidas da metrópole). Ela achou-o
auto-referente, todavia divertido, o que lhe fazia esquecer por alguns momentos
a sua dramaturgia. E se questionava, como seria a sua nova vida. Como
conviveria com essa culpa, que por enquanto não a atormentava demais. E depois, nas
suas possíveis insônias e pesadelos? Nagib Ahmed tinha sido por demais perverso. Essa
clareza solar, foi que lhe deu coragem para se livrar do cárcere privado,
acreditando tê-lo matado. Não havia legítima defesa no seu ato, mas as condições pelas quais foi submetida eram desumanas e abjetas, assim ela intuía.. Estava Marialice, desesperadamente na solidão dos seus pensamentos. Por dentro, vulcânica...exteriormente, mansa feito a curva de um rio. E assim devia se comportar, diante da dramaturgia, a qual ora vivenciava.
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