11 de maio de 2014

Cárcere privado - segunda parte



Desceu rapidamente a escadaria da casa  de Nagib Ahmed, e empreendeu a fuga.  Foi sofregamente em busca de  um taxista  no ponto, e  encontrando, perguntou-lhe se poderia levá-la  ao Rio de Janeiro. Ele respondeu-lhe  que não conhecia a aquela cidade, contudo prometeu levá-la, se desejasse,  a pequena cidade de Casimiro de Abreu,( nome em homenagem ao poeta e um ativista republicano), próxima ao destino escolhido. Adiantou-lhe que  há poucas semanas  havia viajado para aquele modesto município. Sem alternativa, e ansiosa para não ser descoberta, de pronto concordou com o  motorista-de-praça,  que atendia pelo surreal apelido de “Pouca roupa”.  Marialice, serena,  representou bem no "script" de fugitiva,  que lhe parecia ter sido um crime de morte. Não tinha conhecimento que Nagib Ahmed tinha sobrevivido. Na ocasião não demonstrou nenhum desequilíbrio, quer no inicio ou durante as seis horas de viagem,  até ao destino que lhe foi imposto, que pelas circunstâncias, foi a melhor saída. Uma única parada foi realizada,  numa desses bares de pouca assepsia, encontrados pelas  margens das BR’s, para se tomar um café, com a broa de milho. Pouca Roupa era um “gourmant”,  sendo que as broas com  coco ralado, essas eram as suas preferidas. Degustou sem cerimônia,  meia dúzia de  robustas broas. Em dado momento, estacionou  em frente ao botequim uma viatura da polícia. Nenhum pânico tomou conta Marialice, diante dos inesperados gendarmes. Enquanto bebia o café, observou discretamente que um deles a encarava insistentemente. Será que a conhecia? Ou era o "faro" policialesco, desconfiando de todos.  Marialice manteve-se  tranquila diante do inusitado.  Nenhum músculo da face  retezou-se. E os olhares do recém chegado continuaram, até que o Bira da Dorinha,  notando desconforto dela, a inquiriu:  a senhora conhece aquele moço? Ela respondeu  não.   Quando ela sem dirigiu ao caixa  afim de pagar a conta, o "sherlokiano" policial interpôs-lhe, e de forma autoritária, foi lhe perguntando: o cara de cabeça branca é seu marido? Ela suavemente, disse-lhe que não era marido dela. Diante dessa assertiva o policial se apresentou,  dizendo ser o detetive Percival dos Santos. Ele respondeu-lhe: muito prazer, e em seguida,  pediu-lhe licença,  indo ao banheiro. Dentro do toalete respirou aliviada. Pois tratava-se de um “conquistador de plantão”, talvez em busca de mais uma aventura amorosa. Ao se encaminhar para em direção ao táxi, para continuar a fuga, polidamente despediu-se do policial, que com a habilidade de um “Don Juan”,  passou-lhe um cartão com o endereço completo. O estresse foi vencido. A viagem prosseguiu sem nenhum fato que merecesse ser gravado no "diário de bordo rodoviário". Ao chegar no destino final, ela pagou ao taxista, e o agradeceu. E pensou, que teria que “zarpar” logo, pois,  o motorista Pouca  Roupa ao chegar na cidade deles,  tomaria conhecimento que Nagib Ahmed tinha sido ferido gravemente por Marialice. De maneira expedita como sempre, preferiu continuar a viagem de táxi. . O destino final continuou sendo o Rio de Janeiro, no  simpático bairro de Botafogo. O novo condutor tinha uns quarenta e cinco anos aproximadamente. Era uma matraca para falar. E disse-lhe chamar-se Antonio Ubirajara Pereira Jaudis, mas poderia tratá-lo de Bira, ou Bira da Dorinha. E declarou ser conhecedor do Rio de Janeiro, desde Belford Roxo até ao Leblon. Deixou transparecer ser um verdadeiro "guia Rex", (que é catálogo com as direções das  ruas do Rio Janeiro, como facilitador para os motoristas encontrar ruas menos conhecidas da metrópole). Ela achou-o  auto-referente, todavia divertido, o que lhe fazia esquecer por alguns momentos a sua dramaturgia. E se questionava, como  seria a sua nova vida. Como conviveria com essa culpa, que por enquanto não a atormentava demais. E depois, nas suas possíveis insônias e pesadelos? Nagib Ahmed  tinha sido por demais perverso. Essa clareza solar, foi que lhe deu coragem para se livrar do cárcere privado, acreditando tê-lo matado. Não havia legítima defesa no seu ato, mas as condições pelas quais foi submetida eram desumanas e abjetas, assim ela intuía.. Estava Marialice, desesperadamente na solidão dos seus pensamentos. Por dentro, vulcânica...exteriormente,  mansa feito a curva de um rio. E assim devia se comportar, diante da  dramaturgia, a qual ora vivenciava. 

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